domingo, 26 de julho de 2020

Artigo da Semana: Por que o mito ainda não se quebrou?

Imagem: REUTERS/Adriano Machado.
Em cabeça de eleitor, nem sempre dois mais dois são quatro.

Apesar de todas as trapalhadas, leviandades, zombarias, bravatas, descasos e atrocidades cometidas à frente da Presidência da República, se a eleição fosse hoje, Jair Bolsonaro estaria eleito.

Pesquisa exclusiva da revista Veja, realizada pelo instituto Paraná entre os dias 18 e 21 de julho, mostra que Bolsonaro lidera em todos os cenários de primeiro turno, com percentuais que vão de 27,5% a 30,7% e derrotaria os seis potenciais adversários no segundo turno: Lula e Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Sergio Moro e Luciano Huck.

Ou seja, apesar de já poder ser considerado um dos piores presidentes brasileiros em menos de metade do seu mandato (e eu poderia listar inúmeros motivos para isso, mas vou me limitar ao descaso de Bolsonaro com a pandemia e à péssima imagem internacional do país), uma coisa é certa: o “mito” ainda não se quebrou; e também ainda não foi quebrado.

É claro que a popularidade de Bolsonaro está longe de atingir os 83% de Lula, no auge de seus dois mandatos, ou os 64% de Dilma Roussef, em seu primeiro mandato, em 2012. Mas, depois de tudo de ruim que aconteceu nos últimos meses - inclusive a ameaça de impeachment que ainda paira sob si e depende da apuração de inquéritos e processos em andamento -, Bolsonaro já poderia estar eliminado eleitoralmente. Só que não. Ele resiste, não tão forte, mas firme.

É uma situação que pode ser comparada à de Lula no auge do mensalão, em 2005, episódio que, apesar de toda a repercussão negativa na época, não foi suficiente para ferir de morte sua popularidade, tanto é que conseguiu reeleger-se no ano seguinte, e posteriormente fazer sua sucessora petista.

Do alto da minha humildade de professor e jornalista nas horas vagas, atribuo esse paradoxo a três fatores, de naturezas diferentes: cultural, política e econômica.

O primeiro tem a ver com a cultura permissiva do cidadão brasileiro, que poderia ser simplificada em alguns ditados do tipo: “ruim com ele, pior sem ele”, “rouba, mas faz”, “o outro fez pior”, etc. Nosso “pacato cidadão” não é chegado a rupturas ou ao enfrentamento. Um grande exemplo é a luta contra o racismo, que atualmente ganha força nos Estados Unidos e em outros países no mundo, enquanto que no Brasil, assistimos praticamente todo dia à violência contra a população negra, inclusive com mortes. Protestos raramente acontecem, e quando acontece é com uma participação ínfima. É claro que essa mesma permissividade tem livrado a cara de vários políticos ao longo de nossa história republicana. Bolsonaro é só mais um.

O segundo é de ordem política. Bolsonaro tem apoio irredutível e consciente de uma base social coesa e consolidada: trata-se de grande parte da elite social e econômica brasileira, o cidadão que tem dinheiro pra gastar e dedicar seu tempo às redes sociais, formando opinião e dando a linha para os que estão no andar de baixo (muitas vezes seus próprios empregados), ou seja, o povão desinformado, que ainda se ilude e se identifica com as falas autoritárias e salvacionistas do “mito”. Para esse setor mais vulnerável (inclusive do ponto de vista educacional), certamente o auxílio emergencial de 600 reais aprovado pelo Congresso e pago por dever de ofício pelo governo federal veio conter uma inevitável sangria eleitoral bolsonarista. Aqui é impossível não se fazer um paralelo com os efeitos do Bolsa-Família, mesmo reconhecendo tratar-se de iniciativas de natureza diferente.

Um terceiro fator que enumero aqui é o discurso negacionista de Bolsonaro, que desde o início da pandemia no Brasil manifestou-se firmemente contra o isolamento social, ainda que isso viesse a custar milhares de vida. Se engana quem pensa que o povão viu e vê com maus olhos esse discurso.

Uma parte reduzida da classe média bateu panela logo no início, depois cansou. O povão, como sempre, pagou pra ver. Afinal, a ânsia de abandonar o isolamento sempre foi um fato, seja por razões comportamentais (pois permanecer enclausurado em casa para um pobre no Brasil é muito mais penoso do que para alguém da classe média ou alta), seja por necessidades financeiras, para correr atrás do pão de cada dia. Tais fragilidades sociais deram eco ao discurso negacionista de Bolsonaro. E continuam dando.

Talvez, diferentemente do que diz a Veja, Bolsonaro não seja um “fenômeno político”. Talvez ele esteja somente fazendo e falando o que a maior parte da população brasileira quer ouvir.

Cabe aos seus adversários, daqui a dois anos e meio, mostrar que não é Bolsonaro que está errado, mas a própria perspectiva de seus eleitores, principalmente daqueles que estão tendo uma perspectiva distorcida e atrasada de sociedade.

Entretanto, se nada mudar, só me resta concordar com o ditado de minha finada e sabida avó: “Quem morre de gosto não fede”.

JCT.

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